Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revela que o uso de Cannabis aumentou significativamente no Brasil na última década, com destaque para meninas de 14 a 17 anos, entre as quais o consumo triplicou.

O Terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad 3) analisou o uso de substâncias psicoativas em 2023, com foco na Cannabis, coletando dados de 16.608 participantes em 300 municípios, por meio de autopreenchimento sigiloso em domicílios. A pesquisa comparou os resultados aos do levantamento de 2012.

Em 2012, 6,3% da população acima de 14 anos havia consumido Cannabis ao menos uma vez. Em 2023, o índice subiu para 15,8%, o equivalente a cerca de 28 milhões de pessoas. Entre adolescentes, o estudo registrou uma mudança inédita: o consumo caiu entre meninos (de 7,3% para 4,6%) e aumentou entre meninas (de 2,1% para 7,9%).

Segundo Clarice Madruga, professora de psiquiatria da Unifesp e coordenadora do levantamento, a inversão é inédita na série histórica e não se repete com outras drogas. Ela sugere que mudanças nos hábitos de lazer dos meninos, como maior adesão a jogos de aposta e uso de vapes, podem estar contribuindo para a tendência.

Marta Machado, secretária Nacional de Políticas sobre Drogas, aponta fatores sociais e culturais: “Há uma redução da percepção de risco e mudança na atitude em relação à Cannabis. Esse fenômeno é global e registrado em estudos internacionais, como o World Drug Report”. Além disso, mudanças na saúde mental, especialmente entre meninas, e maior exposição digital também podem influenciar o aumento do consumo.

O THC, principal composto psicoativo da Cannabis, representa risco elevado para cérebros em desenvolvimento, podendo provocar ansiedade, ataques de pânico, quadros psicóticos induzidos por drogas e esquizofrenia. “A substância pode alterar a formação cerebral, criando predisposições antes inexistentes”, alerta Madruga.

A forma tradicional de consumo, fumada, continua predominante entre 90% dos usuários. Produtos alternativos, como comestíveis (10%) e vaporizadores (4%), ainda são minoritários. Cerca de 2 milhões de brasileiros, ou 1,2% da população, preenchem critérios para dependência, número estável em relação a 2012. Com o aumento de usuários, mais pessoas estão vulneráveis ao transtorno, mesmo sem aumento proporcional na taxa de dependência.

O estudo também destaca a emergência de canabinoides sintéticos (“drogas K”), mencionados por 5,4% dos usuários, e 11,6% entre adolescentes, refletindo a complexidade e os riscos crescentes do mercado de drogas. O uso de outras substâncias ilícitas também subiu: ecstasy (0,76% para 2,20%), alucinógenos (1,0% para 2,1%) e estimulantes sintéticos (2,7% para 4,6%).

Madruga alerta que a periodicidade de dez anos entre levantamentos limita a análise das políticas de prevenção e redução de danos, defendendo estudos mais regulares e complementares, inclusive toxicológicos.

A pesquisa reforça a urgência de políticas preventivas voltadas a jovens, especialmente meninas, focadas no ensino fundamental 2 (6º ao 9º ano). “Adiar o início do consumo de álcool é crucial, pois começar a beber cedo aumenta a vulnerabilidade a outras drogas, não como porta de entrada, mas por elevar riscos ligados à impulsividade e dificuldade de recusar ofertas”, explica a pesquisadora.

Madruga ressalta que ações sem base científica podem ser ineficazes ou até contraproducentes. Ela cita o programa #Tamojunto, da Senad, que oferece aulas, oficinas para pais e atividades focadas no desenvolvimento de habilidades sociais para resistir à pressão do uso de drogas.

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