Brasil – A relação entre Jair Bolsonaro e Silas Malafaia pode estar chegando ao fim. O pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que durante anos ocupou o posto de principal conselheiro espiritual e porta-voz religioso do bolsonarismo, foi oficialmente afastado do círculo íntimo do ex-presidente. A decisão foi selada na quinta-feira passada, após autorização do ministro Alexandre de Moraes para uma visita do bispo Robson Rodovalho — fundador da igreja Sara Nossa Terra — à casa de Bolsonaro, em Brasília.

A cena simboliza uma mudança de eixo na influência evangélica sobre o ex-mandatário. Em 2018 e 2022, Malafaia foi peça central nas campanhas, mobilizando templos e púlpitos para consolidar a adesão do eleitorado religioso à direita. Agora, o pastor perde espaço para Rodovalho, um líder mais discreto e menos combativo, mas que promete “reorganizar” a ala evangélica conservadora diante da desarticulação pós-derrota eleitoral e dos desdobramentos do julgamento da trama golpista.

Segundo o bispo, Bolsonaro atravessa dias de desânimo e incerteza. Sofrendo crises de soluço e problemas gástricos, ele teria confidenciado a Rodovalho que teme um “regime fechado” no início da pena. Ainda assim, alimenta esperanças com o projeto de anistia em discussão no Congresso. “Ele está desanimado, não sabe nem se poderá gravar vídeos durante a campanha. Mas mantém expectativa quanto à anistia. Depois de encerrada essa discussão, acredito que vai se animar para tomar uma decisão política”, relatou Rodovalho.

Um novo conselheiro, uma velha estratégia

Se Malafaia orientava Bolsonaro a “segurar” ao máximo o anúncio de um candidato para 2026, Rodovalho defende o oposto. “Não se ganha eleição na improvisação, mas com planejamento. Quanto mais demora a escolha, mais o nome demora a correr o Brasil”, afirmou o bispo, em tom de repreensão indireta ao antigo aliado do ex-presidente.

Rodovalho ainda citou o Evangelho para criticar as divisões na direita: “Jesus ensinou: todo reino dividido contra si mesmo será arruinado”. Ele considera que Tarcísio de Freitas (Republicanos) seria o nome mais viável para enfrentar Lula, embora tema que o governador paulista tenha desistido da disputa após os ataques do deputado Eduardo Bolsonaro, que o classificou como “candidato do sistema” e “homem de Moraes”.

“Mesmo com o PT sendo muito profissional em eleição, Tarcísio segue com mais chances que Ratinho Jr., Zema ou Caiado”, avalia o líder religioso. Segundo ele, a chapa ideal seria “Tarcísio e Michelle Bolsonaro”, combinação que, em sua visão, uniria “os moderados do centro” e “o povão evangélico”.

O desgaste de Malafaia

A ascensão de Rodovalho ocorre no momento em que Malafaia enfrenta o isolamento político mais agudo desde 2018. A proibição imposta pelo STF de manter contato com Bolsonaro enfraqueceu o pastor, que vinha acumulando atritos dentro do próprio campo bolsonarista. Parlamentares como Níkolas Ferreira (PL-MG) e Ana Campagnolo (PL-SC) passaram a defender abertamente um “bolsonarismo sem Bolsonaro” — movimento que reflete a fadiga da base e a tentativa de renovar a liderança da direita evangélica.

Rodovalho, por sua vez, tenta se projetar como mediador espiritual e político, e fez questão de relativizar o estilo do antigo aliado, dizendo que Malafaia faz a contribuição dele de maneira veemente, mas não é unanimidade.

Sem o povo nas ruas, sem o amparo de Malafaia e com os filhos em rota de colisão com antigos aliados, o ex-presidente tenta reconfigurar sua rede de apoio antes de enfrentar a prisão. A aposta em Rodovalho é o último movimento de uma peça desgastada no tabuleiro da fé e da política.

Quem é Robson Rodovalho

Empresário e pastor, Robson Rodovalho é uma das figuras mais controversas do neopentecostalismo brasileiro. Fundador da Igreja Sara Nossa Terra, criada em 1992 em Brasília, construiu um império religioso presente em 24 países e com mais de mil templos. Antes de se tornar bispo, formou-se em Física e ficou conhecido por misturar conceitos científicos com espiritualidade (principalmente a física quântica) e foi alvo de críticas tanto da academia quanto de setores evangélicos tradicionais.

Rodovalho também é ex-deputado federal (PFL-DF), cargo que ocupou entre 2007 e 2011. No Congresso, defendeu pautas morais conservadoras e um discurso de prosperidade econômica associado à fé. Acumulou polêmicas por sua participação no episódio batizado de “farra das passagens” e por defender a presença ativa da igreja na política, embora hoje critique o “excesso de militância” nos púlpitos.

“Num culto as pessoas estão lá para orar, não para ouvir política. Pastor não pode ser militante”, disse recentemente — contradição que não passou despercebida, já que o próprio Rodovalho tenta costurar uma nova aliança política para Bolsonaro.

Mesmo envolto em controvérsias, o bispo mantém prestígio entre parte da elite evangélica e trânsito em segmentos moderados da direita. Sua entrada no círculo de confiança de Bolsonaro sinaliza não apenas uma mudança de conselheiro espiritual, mas um rearranjo estratégico do bolsonarismo evangélico — que tenta se reinventar para sobreviver à ausência do seu principal líder.

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