Brasil – “O Carnaval não é uma festa de alienação. É uma festa de conscientização”. Historiador, produtor cultural e estudioso há décadas da festividade, Marcos Maia traduz, em palavras, o que tem sido visto ao longo deste domingo (19) nas ruas de Belo Horizonte. Com desfiles de blocos que tratam da inclusão e celebram a diversidade, como o Todo Mundo Cabe no Mundo e o Angola Janga, os foliões e organizadores levaram para as avenidas um grito de respeito, amor e consideração ao próximo, que se estendeu por outros blocos, outros bairros, outras esquinas. Para Maia, uma demonstração da força do evento, que sempre foi uma forma de dar voz a causas sociais e de provocar a população em relação a questões ainda existentes, como o preconceito e o racismo.

“Essa festividade mostra diversos tipos de luta: contra o racismo, a opressão da mulher, o preconceito. O Carnaval historicamente tem um elemento característico: ele luta contra a perversidade da sociedade. É na festividade que muitos conflitos e contradições sociais são refletidos, ecoam, se expressam. E o Carnaval de Belo Horizonte traz muito essa característica”, diz Maia.

Prova disso é visto nas ruas. Logo no início da manhã deste domingo (19), o bloco Todo Mundo Cabe no Mundo, no bairro Santa Efigênia, região Leste de Belo Horizonte, reuniu cerca de 6 mil foliões, número superior a 2020, quando 5 mil pessoas participaram do desfile. O bloco foi idealizado em 2016 pelo artista plástico Marcelo Xavier. Ele foi criado com o objetivo de incluir pessoas com deficiência na programação da folia.

“É preconceito zero e inclusão total”, afirma o aposentado Renato Machado, de 72 anos, um dos organizadores do bloco. Machado revela estar emocionado com a volta da folia após os anos de pandemia da Covid-19 e afirma que a discussão quanto à inclusão e ao respeito precisam ir além do Carnaval. “É algo para o dia a dia. De levar para o trabalho, em casa, para a vida”, completa.

Uma das folionas que acompanharam o Todo Mundo Cabe no Mundo foi a administradora de empresas Lúcia Meira, de 63 anos. Ela participa dos desfiles desde 2016, primeiro ano do bloco na rua e também o ano em que ela se tornou cadeirante, por conta de uma esclerose múltipla. Para Lúcia, participar do Carnaval tem um significado muito maior do que apenas curtir a folia.

“Eu conheci esse bloco e falei: ‘não há melhor maneira de aparecer do que mostrar que apesar de tudo a gente pode ser feliz, ser alegre’”, disse ela. “Quando eu entrei para esse bloco foi para ver se todos os cadeirantes iam para as ruas, para nos tornarmos visíveis e, assim, tornar a nossa acessibilidade melhor”, afirma ela.

A advogada Ana Luiza Magalhães também destaca a representatividade presente no Carnaval de Belo Horizonte. “Eu venho com um formato de família que é fora do padrão, e esse bloco gera representatividade para a comunidade que eu represento”, diz ela, que também participou do bloco “Todo Mundo Cabe no Mundo”. Ela acompanhou o cortejo ao lado da esposa, a economista Raquel Vilarino Reis, de 37 anos, e dos filhos delas, Luna e Israel, de 5 e 3 anos, respectivamente.

“O que mais me chamou a atenção foi o nome do bloco, por isso que eu decidi vir com a minha família”, disse a advogada, que participou pela primeira vez do desfile. As mães chegaram ao bloco com camisas com as cores da bandeira LGBTQIAP+ e as crianças fantasiadas de herói e princesa. “O bloco nos traz uma representatividade, não apenas para pessoas com deficiência, mas para qualquer pessoa que precisa dessa inclusão. É uma oportunidade que a gente tem também para educar”, completa Ana Luiza.

A técnica de análises clínicas Jiana Gomes, de 34 anos, marcou presença no bloco Angola Janga, criado em 2015 e dedicado ao empoderamento negro. Ela contou que o que a atraiu foi justamente a pauta racial. “Eu já tinha ouvido falar, mas vi uma reportagem sobre o bloco e fiquei mais interessada em conhecer. É um bloco que eu vou me sentir representada, vou me encaixar”, disse ela. O Angola Janga lotou as ruas do centro de Belo Horizonte neste domingo de Carnaval (19) com ritmos como axé e funk, além do samba.

Desde outros Carnavais
Embora a questão da diversidade tenha se intensificado principalmente na última década no Brasil e em grande parte do mundo ocidental, de acordo com o historiador Marcos Maia, a luta pela igualdade durante o Carnaval já é uma pauta antiga.

“O Carnaval reflete uma conjuntura social e política. Atualmente, há os blocos que questionam a exploração da serra do Curral, por exemplo. No início do século passado também já havia músicas e blocos que faziam críticas à Câmara Municipal, ao prefeito. O Carnaval não é um fenômeno separado da sociedade, pelo contrário”, diz ele.

O que faz a diferença na luta por causas sociais durante a festividade, conforme destaca Maia, é a forma como isso é feito na folia. “O Carnaval tem a capacidade de criticar de uma maneira rápida, irreverente, o que acontece na sociedade. É um momento de alegria quando muitas vezes a sociedade vive momentos carregados de ódio, de violência, de incentivo a posturas agressivas. O Carnaval surge como um grito de felicidade, de liberdade, traz a relação de estar vivo, de não se acomodar”, afirma ele.

E o que começa como um desfile na rua, com uma fantasia, com uma marchinha, pode ser capaz de transformar toda a sociedade, segundo Maia. “No Carnaval é onde muitas pessoas se conscientizam. O evento levanta várias bandeiras contra o preconceito, contra o racismo. Isso fica na memória das pessoas e influencia para o bem. O Carnaval contribui na mudança da forma como a sociedade se vê”, conclui Maia.

Via: O TEMPO

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