A adoção do chamado tratamento precoce da covid-19, que reúne medicamentos ineficazes ou ainda sem evidência contra a doença, já provoca racha em entidades médicas e levou alguns profissionais a entrarem com representação no Ministério Público Federal (MPF) contra o CFM (Conselho Federal de Medicina).

Embora diversos estudos científicos já tenham mostrado que drogas como a hidroxicloroquina e a azitromicina não funcionam contra o coronavírus, médicos de todo o País continuam a prescrevê-las, geralmente combinadas com outras medicações e vitaminas em uma composição que ficou conhecida como kit covid. A distribuição do kit passou a ser adotada por algumas prefeituras.

A prescrição desses remédios tem aval do CFM, que, em abril de 2020, emitiu parecer autorizando os médicos a indicarem hidroxicloroquina e azitromicina. Na época, ainda não havia evidências definitivas sobre a eficácia das drogas.

Um ano depois, porém, com vários estudos mostrando que elas não reduzem o risco de agravamento da doença, o conselho mantém o parecer, apoiado no argumento da autonomia médica. Para o CFM, diante da falta de alternativas terapêuticas contra a doença, cabe ao médico, com o paciente, decidir que remédio usar.

Esse, porém, não é o mesmo entendimento de outras entidades médicas. Em março, a AMB (Associação Médica Brasileira) divulgou documento assinado por dezenas de sociedades científicas e associações federadas em que defendia o banimento do uso desses fármacos. Por iniciativa própria, a AMB colocou como signatária todas as 81 associadas, mas, após a divulgação do documento, 15 delas pediram para ter seus nomes retirados do documento.

“Incluímos todas por serem afiliadas da AMB e porque queríamos dar protagonismo a todas elas, achando que todas iriam aderir. Esqueci de algo fundamental: nosso País está polarizado e tem diretores de entidades que foram contrários. Olhando agora, não deveríamos ter feito dessa forma”, afirmou na época César Eduardo Fernandes, presidente da AMB, reconhecendo o racha na categoria.

Entre as sociedades que se manifestaram publicamente contra a carta da AMB estão a Associação Brasileira de Psiquiatria e a Associação Nacional de Medicina do Trabalho. Em nota, a última defendeu que a relação entre médico e paciente é “personalíssima, fundamentada na confiança, empatia e respeito, e o tratamento é prerrogativa do médico assistente como ocorre em qualquer outra doença”.

O Estadão apurou que o episódio criou conflitos mais calorosos entre entidades. Alguns diretores de sociedades científicas que ainda apoiam o “tratamento precoce” acusaram a AMB de estar sendo influenciada por razões políticas. “Isso foi por causa do grupo de esquerdopatas que está no comando da associação”, escreveu um dos diretores em um e-mail.

CFM diz no Senado que não aprova tratamento precoce

O presidente do CFM, Mauro Ribeiro, disse ao Estadão que a divergência foi um exemplo da divisão observada entre os médicos e que nenhuma entidade “é detentora do saber”, em alusão à postura da AMB.

Durante audiência pública da Comissão Temporária da Covid-19 do Senado na manhã de hoje (19), o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Donizette Giamberardino Filho, esclareceu que “o Conselho Federal de Medicina não recomenda e não aprova tratamento precoce e não aprova também nenhum tratamento do tipo protocolos populacionais [contra a covid-19]”.

Ano passado, o conselho aprovou parecer que facultou aos médicos a prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina para pacientes com sintomas leves, moderados e críticos de covid-19.

Segundo o médico, o que o CFM fez foi uma autorização fora da bula [off label] em situações individuais e com autonomia das duas partes, “firmando consentimento esclarecido [médico] e informado [paciente]”. Em nenhum momento ele [o CFM] autorizou qualquer procedimento experimental fora do sistema CRM/CFM. “Esse parecer não é habeas corpus para ninguém. O médico que, tendo evidências de previsibilidade, prescrever medicamentos off label e isso vier a trazer malefícios porque essa prescrição foi inadequada, seja em dose ou em tempo de uso, pode responder por isso”, avaliou Donizette.

Créditos: Portal R7 / Agência Brasil

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