Se a realidade seguisse as previsões do governo Jair Bolsonaro (sem partido), a esta altura o Brasil estaria em primeiro lugar no mundo em número de vacinas aplicadas contra a Covid-19 e já teria superado inclusive os Estados Unidos. O cenário concreto, porém, é outro.Com 8,4 milhões de doses injetadas até esta segunda (1º), o país termina o mês de fevereiro não só atrás dos americanos –que já administraram 75 milhões, quase nove vezes o nosso total–, como também depois dos chineses (40 milhões), ingleses (21 milhões), indianos (14 milhões) e turcos (8,5 milhões).

Se considerarmos a taxa por habitantes, então, nosso ranking despenca. O país fica na 47ª posição, com 39,7 doses aplicadas a cada mil habitantes, segundo dados do projeto Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford. O campeão é Israel, com índice de 935, bem à frente de Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Estados Unidos.

A promessa veio do ministro Eduardo Pazuello (Saúde), em 14 de janeiro, ao lado do presidente em uma das lives semanais em redes sociais. Àquela altura, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ainda analisava os pedidos de uso emergencial da Coronavac e da AstraZeneca/Oxford, aprovados três dias depois.

“A partir do início [da vacinação], com 2, 6 ou 8 milhões de doses já em janeiro, nós vamos nos tornar o segundo ou o primeiro, talvez atrás dos EUA, país que mais vacinou no mundo. E quando entrarmos em fevereiro, com a nossa produção em larga escala e o nosso PNI [Programa Nacional de Imunizações], que tem 45 anos, nós vamos ultrapassar todo mundo, inclusive os EUA”, assegurou.A produção em larga escala, porém, até agora não começou, principalmente pelo atraso na importação dos insumos da China. O Instituto Butantan entregou, aos poucos, 13,2 milhões de doses da Coronavac. Já a Fiocruz apenas rotulou 4 milhões de doses prontas e ainda não iniciou o fornecimento da vacina envasada por aqui.

A ideia é entregar 15 milhões de doses em março, a partir do dia 15, e totalizar 100 milhões de doses feitas com o IFA (insumo farmacêutico ativo) chinês até julho. A partir de agosto, o cronograma previa a distribuição de imunizantes totalmente nacionais, mas esse plano também terá percalços.

O presidente de Bio-Manguinhos, que fabrica os imunizantes da Fiocruz, disse recentemente que já prevê atrasos na produção da vacina de Oxford com a matéria-prima brasileira no segundo semestre, por causa da complexidade dos processos de fabricação e da validação regulatória.

“Produzir aqui a vacina é todo um processo. Tem que validar os lotes de IFA, validar o registro de local de fabricação do IFA. Acreditamos que em meados do segundo semestre vamos ter vacina pronta. Agora, se vamos conseguir liberar, vai depender das questões regulatórias. […] Sabemos que vamos ter percalços em um processo que se fazia em anos”, disse Maurício Zuma à Reuters na última sexta (26).

Ele afirmou que a fundação vai se esforçar para entregar os 210 milhões de vacinas previstas até o fim do ano e que, se for necessário, pode tentar negociar a importação de mais doses prontas ou do IFA com a AstraZeneca.Segundo ele, os equipamentos necessários para a produção do insumo já chegaram à Fiocruz, mas agora passam por um minucioso processo para a certificação pela Anvisa. O contrato para a transferência de tecnologia ainda não foi assinado com a farmacêutica.

Essa medida é importante porque vai permitir que o Brasil deixe de depender de outros países para seguir com sua campanha de imunização, em um momento em que o mundo inteiro disputa vacinas.

Em janeiro, na mesma transmissão ao vivo da promessa de Pazuello, Bolsonaro colocou o atraso da vacinação na conta da Anvisa e disse que os grandes laboratórios “não vieram” porque a agência é um “obstáculo para o bem”.

“Alguns reclamam que o Brasil está atrasado, que o governo não tomou providências para a vacinação. Calma”, pediu ele. “Nós somos um mercado de 210 milhões de pessoas, o mundo são quase 8 bilhões. Então os grandes laboratórios procuram os grandes centros, que somos nós.”

“Agora, por que não vieram? Porque reconhecem que a Anvisa é um obstáculo para o bem. Aqui não é uma republiqueta, que o cara vai chegar aqui e vai fazer uma negociata”, concluiu.

Pouco antes, insinuando que a pressão de iniciar logo a vacinação não fazia sentido porque as doses aplicadas ainda eram muito poucas, Pazuello errou outro cálculo. Disse que os Estados Unidos já haviam vacinado “6 ou 7 milhões de pessoas da última vez que viu o quadro”, quando na verdade o número já era quase o dobro.

Também afirmou que, somando todas as vacinas aplicadas no mundo, “dava uma cidade de São Paulo”. O número era quase o triplo. “O que a gente precisa compreender? Há uma estratégia do governo federal com o SUS, foi desenhada há seis meses, nós estamos na cronologia correta dessa estratégia”, assegurou.

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