O Senado Federal aprovou em primeiro turno nesta terça-feira (16) a PEC das Drogas, uma proposta de emenda constitucional à Lei de Drogas, que está em vigor desde 2006, e que desmonta a principal característica dessa legislação: a diferenciação entre usuários e traficantes. 53 senadores votaram favoráveis ao texto e 9 contrários. O texto prevê que o porte de qualquer quantidade de qualquer substância ilícita poderá ser considerado um crime.

Logo em seguida à votação em primeiro turno, o presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD) convocou o segundo turno da votação. Momentos mais tarde, a PEC das Drogas foi aprovada também em segundo turno com 52 votos a favor e 9 contrários.

Na prática, o texto elimina a possibilidade de penas alternativas à prisão para usuários de drogas. O texto foi aprovado por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça do Senado no último dia 13 de março. A votação foi simbólica e apenas quatro senadores registraram votos contrários: Marcelo Castro (MDB), Fabiano Contarato (PT), Jaques Wagner (PT) e Humberto Costa (PT).

Aprovada no Senado, a PEC das Drogas agora vai para a Câmara dos Deputados, onde tramitará na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e em outras duas votações em plenário antes de ir à sanção presidencial. Ainda não há uma data prevista para a realização desses trâmites posteriores.

A votação da PEC é uma afronta dos senadores ao Supremo Tribunal Federal (STF) que pretende avançar no assunto, a exemplo do que ocorre em boa parte do mundo. Se for aprovada no legislativo, a votação na Suprema Corte vai precisar ser revista, pois a decisão dos ministros não pode contrariar a lei.

Cinco dos 11 ministros do STF votaram em favor da descriminalização de uma quantidade mínima de maconha: Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Três votaram contra: Kássio Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin. Ainda faltam três votos. A medida, no entanto, só precisa de mais um para garantir a maioria na Corte.

Caso a PEC seja aprovada no legislativo, o STF – conforme dito acima – terá que rever a votação. A lei que está em votação no Senado define como crime o porte para consumo pessoal e não estabelece diferenças entre usuários e traficantes, mas não estabelece a punição.

A PEC das Drogas

A PEC das Drogas, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), proíbe a posse e o porte de qualquer tipo de entorpecentes e insere no artigo 5° da Constituição Federal o trecho a seguir.

“A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes ou drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre o traficante e o usuário, por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis a este último penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”.

Durante o debate na CCJ, o senador Efraim Filho (União-PB), relator do projeto, criticou a votação favorável do STF e afirmou que o debate não é de competência do Judiciário, mas sim do Congresso. E é mais ou menos essa a argumentação de caráter técnico dos senadores favoráveis à PEC. Para além disso, sobram os argumentos baseados no moralismo.

“Foi decidido e deliberado na reunião de líderes que era um posicionamento que precisava ficar muito forte, né? O foro adequado para que se trate situações dessa natureza que poderá ou não levar a descriminalização da droga no Brasil. O foro adequado é o parlamento, é aqui onde estão as pessoas que foram eleitas e escolhidas pela população para representá-las em situações dessa natureza”, afirmou.

Já Contarato defendeu a votação do STF e criticou a PEC no Senado.

“Eu fui delegado de polícia por 27 anos e essa PEC não inova em absolutamente nada. Sabe por quê? Nós temos uma população carcerária no Brasil, dados, ela saltou de 58,4% para 68,2% de pessoas pretas, de pessoas pardas. Nós temos aqui que um branco no Brasil, para ser definido como traficante, ele tem que ter 80% de substância a mais que um negro. É o Estado criminalizando a pobreza, criminalizando a cor da pele”, disse.

O debate no STF

Apesar tratar do porte de drogas como um todo, os ministros que votaram a favor da descriminalização o fizeram apenas com relação a maconha, exceto Gilmar Mendes. A análise do tema foi iniciada pelo STF em 2015 a partir do julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), baseado em um fato concreto de prisão por porte de 3g de maconha.

O STF, porém, não vai “legalizar a maconha” ao final do julgamento, mesmo se houver mais um voto favorável à descriminalização. Isso porque descriminalizar o porte para consumo pessoal não significa a legalização total, visto que a produção, venda e distribuição de maconha ou de qualquer droga seguiriam proibidos no Brasil.

O efeito prático, caso o porte para consumo próprio seja descriminalizado pelo STF, seria apenas impedir que pessoas flagradas portando pequenas quantidades de maconha, desde que comprovado que é para uso pessoal, sejam penalizadas. Atualmente, a Lei de Drogas considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal e prevê penas como prestação de serviços à comunidade.

A interpretação do que é quantidade para “consumo pessoal” e o que configura tráfico, entretanto, é feita, a princípio, pelas polícias, que recorrentemente consideram pretos e pobres como traficantes e pessoas brancas, de classe média ou alta, como usuários. O julgamento do STF, portanto, atacaria este cenário e definiria, exatamente, qual a quantidade de droga que pode ser considerada para uso pessoal.

Desde a reabertura do julgamento sobre porte de drogas para uso pessoal, em 2 de agosto de 2023, os ministros do STF proferiram seus votos e análises pessoais acerca da ação. O placar, iniciado em 2015, já apontava 3 a 0 a favor da descriminalização.

Na ocasião, Gilmar Mendes considerou que o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional. Embora o caso em questão referia-se ao porte da maconha, o ministro votou pela descriminalização de todas as drogas ilícitas.

O magistrado tem o entendimento da necessidade de uma transição gradual entre as medidas punitivistas tomadas contra os usuários e a implementação de novas regras de prevenção e combate ao uso de drogas, por meio de sanções administrativas e cíveis, por exemplo.

Em 2015, os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também votaram pela inconstitucionalidade do artigo, com ressalvas. Fachin afirmou que a descriminalização deveria ser feita “exclusivamente para o porte de maconha”, enquanto Barroso decidiu não se manifestar sobre os demais tipos de drogas e propôs critérios mais flexíveis, permitindo a análise de juízes em audiência de custódia.

Alexandre de Moraes, em agosto de 2023, votou a favor da descriminalização mediante apresentação de critérios que definem se o portador é usuário ou traficante. O ministro apontou a necessidade de se definirem outros parâmetros, que não a divisão social ou racial que o agente policial possa se apoiar no momento da abordagem.

“Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”, disse Alexandre de Moraes.

Ao fim, Moraes votou pela descriminalização da maconha, mas não de outras drogas, acompanhando Barroso. Uma de suas falas viralizou nas redes sociais ao satirizar a comparação entre o uso pessoal de cigarros de maconha com o famoso narcotraficante Pablo Escobar.

“Quando o parágrafo 2 do artigo 28 diz: ‘o juiz atenderá a natureza e a quantidade da substância’, qual seria uma quantidade razoável tratando aqui da questão da maconha, eventualmente, dentro desses dados empíricos, para se analisar? Digo isso porque as situações radicais não deixam dúvida. Alguém preso com 100 kg de pasta de cocaína , ninguém acha que é usuário. Não há nariz para tanto. Assim como alguém pego com duas toneladas de maconha não é visto como usuário. Da mesma maneira, alguém pego com dois cigarrinhos de maconha não pode ser visto como o ‘novo Pablo Escobar’, um traficante perigoso”, disse Moraes no voto.

Ainda em agosto, Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), votou contra. Era esperado que o ministro votasse a favor da descriminalização. Segundo ele, a descriminalização contribuirá para agravar problemas de saúde relacionados ao vício. A ministra Rosa Weber antecipou seu voto tendo em vista a sua aposentadoria e votou a favor, deixando o placar em 5 a 1 a favor da descriminalização.

André Mendonça e Kássio Nunes Marques então deixaram seus votos contrários à descriminalização. O placar está em 5 a 3.

Debate no mundo

Neste momento, vários países debatem a criminalização das drogas, após Alemanha, Canadá, Malta e Uruguai legalizarem o consumo da maconha. Além disso, na América Latina, Argentina, Colômbia e Peru permitem o uso da cannabis sativa.

A ONU destacou em seu Relatório Mundial sobre Drogas, de 2022, que a maconha é um dos ilícitos mais consumidos no mundo inteiro. O documento diz ainda que os países que legalizaram o consumo da cannabis viram o uso diário da substância aumentar entre jovens adultos durante a pandemia. As taxas de prisão nesses países também caíram, segundo a ONU.

“A legalização da cannabis na América do Norte parece ter provocado aumento no uso diário da substância, sobretudo de produtos mais potentes e particularmente entre os jovens adultos. Também foram relatados aumentos relacionados a pessoas com distúrbios psiquiátricos, suicídios e hospitalizações. A legalização também aumentou a receita tributária e, em geral, reduziu as taxas de prisão pela posse da substância”, diz o Relatório Mundial sobre Drogas da ONU de 2022.

Fonte: Revista Fórum

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