BBC Brasil – Uma vítima de ataque com ácido não suportou viver com os ferimentos e decidiu se submeter à eutanásia. Antes de morrer, acusou a ex-namorada, que está sendo julgada por assassinato.
O engenheiro Mark van Dongen, de 29 anos, chegou a ficar paralisado do pescoço para baixo, perdeu a perna, a orelha e o olho esquerdo em decorrência da agressão, ocorrida em setembro de 2015 na cidade de Bristol, na Inglaterra.
Cidadão holandês, ele morreu no dia 2 de janeiro deste ano, em uma clínica belga de eutanásia, 15 meses após o ataque.
Por meio de um intérprete, o pai de Van Dongen, Cornelius, disse no julgamento que esperou quatro meses até conseguir se comunicar com o filho – ele usava a língua para indicar as letras do alfabeto em um quadro e, assim, soletrar as palavras.
Ao perguntar a Van Dongen quem era o autor do ataque, veio a resposta:
“Ele estendeu a língua e soletrou Berlinah”, contou Cornelius ao Tribunal de Justiça de Bristol.
Berlinah Wallace, de 48 anos, é ex-namorada da vítima. E, de acordo com a Promotoria, teria ficado desconcertada quando o relacionamento de cinco anos do casal acabou. Ela teria jogado então uma substância corrosiva no ex enquanto ele estava deitado na cama.
Passados outros cinco meses, Van Dongen conseguiu recuperar parte da fala. E, em testemunho gravado em vídeo antes de morrer, disse que, enquanto jogava o ácido, Berlinah gritava:
“Se eu não posso ficar com você, ninguém mais vai ficar.”
Ela nega, no entanto, as acusações.
Ao júri, o pai disse que o filho estava com medo de Berlinah e chamou a polícia “várias vezes”, mas “não recebeu apoio”.
Nas semanas antes de morrer, ele contou que Van Dongen desenvolveu uma infecção pulmonar aguda e não conseguia mais mover os braços.
Essa teria sido a gota d’água para ele solicitar a eutanásia.
“Minha vida se resume a nada, não resta mais nada”, Van Dongen teria dito a ele.
Testemunhas
O tribunal também ouviu Thomas Sweet, que morava perto do apartamento de Berlinah, em Ladysmith Road, e encontrou Van Dongen na rua após o ataque.
Ele disse que ouviu algo que soou como “raposas brigando”, mas logo percebeu que se tratava de alguém gritando “socorro” de forma “agonizante”.
Sweet contou que Van Dongen estava apenas de cueca, disse que tinha “ácido sobre ele” e acusou a ex-namorada na sequência.
“Essa vadia, essa vadia fez isso comigo. Minha ex fez isso”, teria dito a vítima, segundo Sweet.
Ele chamou então uma ambulância, levou Van Dongen para o apartamento de um vizinho e ajudou ele a tomar banho.
Sweet disse que perguntou a ele:
“Você quer a polícia aqui?”
E Van Dongen teria respondido:
“Eles precisam estar aqui, ela precisa pagar por isso.”
Nicola White, outra vizinha, disse ao tribunal que acordou com “o som de um homem gritando na rua”.
Ela contou que saiu de casa e se deparou com Van Dongen, que estava “cinza da cabeça ao peito”.
Nicola ajudou Sweet a levar a vítima para tomar banho e disse que ele se virou para ela, apontou para uma porta aberta e gritou:
“Ela fez isso comigo lá. Ela fez isso comigo.”
Segundo Nicola, quando eles passaram pela porta, ela olhou para dentro e viu “uma mulher sentada no sofá, que aparentava falar ao celular. Parecia mal-humorada e séria”.
‘Cheiro de ácido químico’
De acordo com o testemunho dos policiais, Van Dongen apresentava “ferimentos significativos” causados por uma “substância derramada sobre o corpo”.
O agente Thomas Green, que o acompanhou na ambulância até o hospital, disse que a vítima estava “claramente com muita dor e gritando em agonia”.
“Perguntei quem era o agressor, e ele disse ‘Berlinah’, apontando para uma tatuagem (do nome dela) perto do umbigo.”
“Ele disse que estava preocupado com a segurança de Violet (sua então namorada na ocasião) – temia que ela fosse atacada também – e pediu para eu checar se ela estava bem”, acrescentou.
O policial Daniel Fortune descreveu um “cheiro de ácido químico, bastante forte” no apartamento.
Segundo ele, Berlinah estava sentada no sofá, “calma e contida”.
A versão de Berlinah
Berlinah admite, por sua vez, ter jogado uma substância sobre Van Dongen, mas nega qualquer intenção de machucá-lo.
Diz que acredita ter jogado um copo de água nele, mas nega ter usado uma substância corrosiva e a acusação de assassinato.
O julgamento está em andamento.