Amazonas – Uma nota técnica publicada nesta terça-feira (30) concluiu que peixes vendidos em seis estados da região amazônica apresentavam quantidade de mercúrio superior ao preconizado. O cenário causa problemas para os animais e também para os humanos: os pescados são contaminados nas águas, normalmente pela ação do garimpo ilegal, e, ao consumi-los, a população também se contamina.

O mercúrio é usado no garimpo na busca do ouro. Sem os cuidados devidos, ele é despejado nos rios e ali se acumula. É também no ambiente aquático que o mercúrio pode virar o metilmercúrio, substância neurotóxica e que passa entre seres vivos na cadeia alimentar. Ou seja, a substância se acumula à medida que os animais se alimentam de outros seres já contaminados.

Por isso, o metilmercúrio é de alto risco, afirma Paulo Basta, pesquisador da Fiocruz e um dos autores da nota técnica. “A gente considera a forma mais tóxica para o ser humano.” Para efeitos da pesquisa, realizada por diversas organizações, como ISA (Instituto Socioambiental), Fiocruz e Greenpeace, todas as detecções de mercúrio foram consideradas metilmercúrio.

No total, 1.010 amostras de pescados carnívoros e não carnívoros passaram por análise em laboratório. Os animais provinham de 17 municípios em seis estados que contam com território na floresta amazônica: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima.

As análises de todos os pescados indicaram que 21% deles continham mais mercúrio do que o aceitável: o máximo recomendado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é 0,5?g (micrograma) a cada grama.

“Nosso objetivo foi coletar peixes que são vendidos normalmente em feiras livres, em mercados municipais ou diretos das mãos de pescadores de modo a mostrar para a sociedade que o problema da contaminação do mercúrio não está restrito a povos indígenas ou a outros povos tradicionais”, afirmou Basta.

Algumas cidades registraram um baixo percentual de peixes com concentrações altas, como Maraã, no Amazonas, onde somente 2% dos pescados ultrapassaram o máximo indicado.

Enquanto isso, outros municípios apresentaram índices bem mais altos: em Santo Isabel do Rio Negro e em São Gabriel da Cachoeira, também no Amazonas, metade dos animais estavam com uma quantidade perigosa de mercúrio.

A variação também é vista entre os estados. Basta explica que isso ocorre por causa dos fatores associados à própria presença do mercúrio nos rios. Por exemplo, como a substância é lançada principalmente pelo garimpo, locais com maiores índices dessa atividade podem apresentar um número superior de peixes contaminados.

Esse é o caso de Roraima. No estado, está presente boa parte do território yanomami, que sofre com a presença do garimpo. Quando se olha para o índice de pescados com alta concentração de mercúrio, o estado é o que conta com o maior valor entre todos os seis analisados: 40% dos animais tinham marca superior ao que é indicado.
Em humanos

Além de medir o mercúrio presente nos animais, outra parte do estudo considerou a ingestão dele no corpo humano ao consumir os peixes. Para isso, uma das variáveis foi o peso da população, contando com informações de 2008 da POF (Pesquisa de Orçamento Familiar) do IBGE. Com esse dado, foi possível ter uma média do peso de quatro grupos pré-definidos: mulheres em idade fértil, homens adultos, crianças de 5 a 12 anos e pequenos entre 2 e 4 anos.

Isso é necessário porque é preciso dividir a ingestão média de mercúrio diária com o peso da pessoa -nesse caso, a média de peso do grupo. Então, se o valor diário for de até 0,1?g de mercúrio a cada 1 kg, está dentro do aceitável para a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (US-EPA). Senão, a população está em risco.

A pesquisa também estimou a quantidade de peixes consumida e, possivelmente, de mercúrio. Primeiro, um relatório de 2011 foi considerado para estimar a quantidade de pescados ingeridos pela população em ambientes urbanos da Amazônia -esse número foi de cerca de 100 g por dia. Já para o mercúrio, os pesquisadores consideraram o pressuposto de que 80% do que é consumido da substância é absorvido pela pessoa.

Então, cruzando os dados da contaminação dos peixes por estado com as informações de peso e consumo diário, foi possível calcular se a ingestão ultrapassava ou não o valor recomendado de até 0,1 ?g por 1 kg a cada dia.

Crianças de 2 a 4 anos no Acre, por exemplo, apresentaram a maior taxa de consumo da substância: 3,15. Ou seja, é como se elas estivessem consumindo 35 vezes mais o máximo recomendado. O dado é mais crítico porque esse grupo é um dos de maiores riscos para a substância.

Por outro lado, o menor registro foi entre homens adultos no Amapá. Com uma taxa de 0,17, esse grupo ultrapassou levemente o preconizado pela US-EPA. “Mesmo em regiões onde a contaminação não foi tão grande, a depender da quantidade de peixe consumido, pode ultrapassar o nível de mercúrio máximo recomendado”, resumiu Bata.

Como resolver

Para o pesquisador, a resolução do problema envolve diversas áreas do governo. Uma delas é o combate ao garimpo, já que ele é o principal causador da contaminação dos rios. “Assim como está acontecendo na terra indígena yanomami, que está tendo uma força-tarefa do governo federal para retirar os garimpeiros de lá, esse mesmo processo tem que ser estendido a outras áreas da Amazônia que estão conflagradas pela presença de garimpos ilegais”, diz.

Além dessa, outras medidas são monitorar áreas contaminadas para mitigar o impacto, oferecer auxílio aos pescadores que podem sofrer dificuldades financeiras por não comercializar mais peixes contaminados e fiscalizar os peixes para barrar a comercialização daqueles contaminados.

Fonte: O TEMPO

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